RAIAS CONTINENTAIS SUL-AMERICANAS: NOTAS SOBRE O ATUAL STATUS DE CONSERVAÇÃO

12/06/2012 09:47

 

 

1º Congresso Vale Encantado de Meio AMbiente

Cerrado: Diversidade e Recursos, 2011, p.  66 - 74

Uberaba / MG

RAIAS CONTINENTAIS SUL-AMERICANAS: NOTAS SOBRE O ATUAL STATUS DE CONSERVAÇÃO

Jumma Miranda A. Chagas; Douglas de Castro Ribeiro; Wagner Rodrigues Silva & Daniela Beatriz Lima e Silva

 

RESUMO

 

A família Potamotrygonidae corresponde ao grupo de raias pertencentes exclusivamente aos ambientes dulcícolas possuindo historia evolutiva controversa entre alguns autores e vagamente descrita na literatura. As populações naturais de potamotrigonídeos estão em declínio, e suas principais ameaças são atribuídas à pesca artesanal de subsistência e com fins ornamentais, alteração e deterioração de seu habitat pela ação antrópica. As informações disponíveis na literatura sobre o status de conservação das espécies da família Potamotrygonidae são vagas e escassas, baseando-se em dados desatualizados. O presente trabalho tem como objetivo e realizar uma compilação bibliográfica sobre status de conservação das espécies da família Potamotrygonidae. Os dados obtidos foram compilados de modo a avaliar criticamente a existência de informação científica suficiente para a definição do atual status de conservação das espécies da família Potamotrygonidae.

Palavras-chave: Potamotrygonidae. Raias dulcícolas. Conservação. Ictiofauna neotropical.

 

INTRODUÇÃO

 

Potamotrygonidae corresponde ao grupo de raias pertencentes exclusivamente aos ambientes dulcícolas Sul Americano, os taxa inclusos nesta famiia possuem uma historia evolutiva controversa entre autores sendo vagamente descrita na literatura (REIS, 2003).

Três gêneros compõem a família Potamotrygonidae. O gênero Paratrygon é monotípico, tendo como único representante a espécie Paratrygon aiereba, diferentemente do gênero Potamotrygon que reúne mais de 18 espécies, sendo que existe uma grande divergência de informações com relação à quantidade de espécies validas. Carvalho e Ragno (2011), relataram a existência de uma nova espécie dentro do gênero Plesiotrygon, a Plesiotrygon nana, que por anos imaginava-se ser monotípico tendo como representante único a espécie Plesiotrygon iwamae.

As populações naturais de potamotrigonídeos estão em declínio, e suas principais ameaças são atribuídas à pesca artesanal de subsistência e com fins ornamentais, além da alteração e deterioração de seu habitat pela ação antrópica. No entanto, as informações disponíveis na literatura sobre o status de conservação das espécies da família Potamotrygonidae são vagas e escassas, baseando-se em dados desatualizados (GARRONE NETO; HADDAD JUNIOR, 2010).

Assim, o presente trabalho tem como objetivo reunir informações sobre o táxon Potamotrygonidae, enfatizando o atual status de conservação das espécies existentes nos três gêneros: Paratrygon, Plesiotrygon e Potamotrygon.

 

METODOLOGIA

 

Para desenvolvimento deste estudo, foi realizada ampla compilação bibliográfica, incluindo livros zoológicos, periódicos científicos indexados, pareceres técnicos, listas e atlas de espécies ameaçadas de extinção, entre outros documentos.

Os dados obtidos foram compilados e apresentados no presente trabalho, em forma de textos e tabelas, de modo a avaliar preliminarmente a existência de informação científica suficiente para a definição do atual status de conservação das espécies da família Potamotrygonidae.

 

RESULTADO E DISCUSSÃO

 

A sistemática do grupo ainda permanece de certa forma indefinida, mas considerando todas as espécies descritas até o momento, os três gêneros juntos somam cerca de 24 espécies válidas.

*Os termos relacionados ao status de conservação foram seguidos de acordo com IUCN  (1988). IUCN 2011. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2011.1. .

 

TABELA 1. Distribuição e status legal de conservação das espécies de Potamotrygonidae encontradas na América do Sul.    

GÊNERO

DISTRIBUIÇÃO

STATUS CONSERVAÇÃO

STATUS LEGAL

Paratrygon

 

 

 

Paratrygon aiereba

(Müller & Henle, 1841)

Bacia Amazônica e Orinoco

(Bolívia, Brasil, Equador, Peru e Venezuela).

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Plesiotrygon

 

 

 

Plesiotrygon iwamae

(Rosa; Castello & Thorson, 1987)

Bacia Amazônica

(Brasil, Equador e Peru).

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Plesiotrygon nana

(Carvalho & Ragno 2011)

Bacia Amazônica

(Peru)

Insuficientemente conhecida. (Espécie recentemente descoberta)

Não há informações disponíveis (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon

 

 

 

Potamotrygon brachyuran

(Günther, 1880)

Bacia Paraná/Paraguai, La Plata, Uruguai (Argentina,  Brasil, Paraguai e Uruguai).

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

 

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon castexi

(Castello & Yagolkowski, 1969)

Bacia Amazônica, Paraná/Paraguai (Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Peru).

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon constellate

(Vaillant, 1880)

Bacia Amazônica

(Brasil e Colômbia)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon dumerilii

(Castelnau 1855)

Bacia Amazônica, Paraná/Paraguai

(Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon falkneri

Castex & Maciel, 1963)

Bacia Paraná/Paraguai e rio Cuiabá, 

(Argentina, Brasil e Paraguai)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon henlei

(Castelnau, 1855)

Bacia Amazônica

(Brasil)

Preocupação anterior

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 1000 unidades/ano. (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon humerosa

(Garman, 1913)

Bacia Amazônica

(Brasil)

 

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon hystrix

(Muller& Henle, 1834)

Paraná/Paraguai

(Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon cf. hystrix

(Muller & Henle, 1834)

Rio Negro

(Brasil)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 5000
unidades/ano. (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon leopoldi

(Castex & Castello, 1970)

Bacia Amazônica (Brasil) Possivelmente endêmica da bacia do Rio Xingú.

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 1000
unidades/ano (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon magdalenae

(Duméril, 1865)

Colômbia

Quase ameaçado

(IUCN, 2011)

Não há informações disponíveis (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon motoro

(Müller & Henle 1841)

Bacia Amazônica, e La Plata.

(Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 5000
unidades/ano. (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon ocellata

(Engelhardt, 1912)

Bacia Amazônica

(Brasil)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon orbignyi

(Castelnau, 1855)

Bacia Amazônica, Paraná/Paraguai  (Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Guianas, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela).

Preoupaçao anterior

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 2000
unidades/ano. (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon schroederi

(Fernández-yépez, 1957)

Bacia Amazônica e Orinoco

(Brasil, Colômbia e Venezuela)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Legal a ser exportados pelo Brasil, quota 1500
unidades/ano. (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon schuhmacheri

(Castex, 1964)

Paraná/Paraguai 

(Argentina, Brasil e Paraguai)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon scobina

(Garman, 1913)

Bacia Amazônica

(Brasil)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon signata

(Garman, 1913)

Parnaíba

(Brasil)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Ilegal a exportação no Brasil (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon yepezi

(Castex & Castello, 1970)

Maracaibo

(Venezuela)

Espécie vulnerável (Livro vermelho da Colômbia)

Não há informações disponíveis (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon boesemani,

(Rosa; carvalho& Wanderley, 2008)

Rio Corantijn 

(Suriname)

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Não há informações disponíveis (Araújo, et al., 2004).

Potamotrygon tigrina

(Carvalho; Perez & Lovejoy, 2011)

Bacia Amazônica

(Peru)

 

Dados insuficientes

(IUCN, 2011)

Não há informações disponíveis (Araújo, et al., 2004).

 

                                                               

O Brasil é o país com a maior concentração de espécies de Potamotrygonidae, aproximadamente 19 espécies, somente a bacia amazônica abriga cerca de 13 espécies. (ROSA, 1985).

Muitas das espécies são encontradas em mais de um país, a exemplo Paratrygon aiereba, tem sua exportação proibida no Brasil, mas é legalmente exportada no Peru, o que dificulta a aplicação de metodologias voltadas para a conservação da espécie.

No Livro vermelho dos peixes da Colômbia a espécie Potamotrygon yepezi está listado como  vulnerável diferentemente do relatado no JUCN de 1988.

Em junho de 2003, uma regulamentação federal foi redigida para determinar a exportação de seis espécies de raias de água doce em um sistema de cotas que proíbe a exportação de espécimes adultos.

O aumento na demanda de peixe por parte da população humana, estimula os pescadores comerciais a explorar demasiadamente as raias dulcícolas como um recurso alimentar (IBAMA, 2002).

Ambientes interiores dulcícolas, são mais restritos referencialmente ao volume do que o ambiente marinho oceânico, sendo mais propicio a sofrer interferência de impactos antrópicos como, destruição de habitat, poluição das águas e pesca (COMPAGNO; COOK, 1995). Naturalmente, ambientes de água doce apresentam frequentes flutuações de pH, temperatura, quantidade de oxigênio, nível da água, entre outras características que, se alteradas de forma abrupta podem gerar desequilíbrios ecológicos com conseqüências negativas para as populações de peixes que ali residem. Entre os impactos antrópicos descritos na literatura como prejudiciais às populações de raias dulcícolas, são citados: a pesca de subsistência; pesca artesanal com propósito ornamental; pesca recreativa; pesca negativa promovida por hotéis de turismo e deterioração e destruição de habitats (ARAÚJO, 2004).

Outro agravante, é que frequentemente exemplares são mortos ou têm a ponta de sua cauda mutilada em função da presença de um ferrão venenoso presente em sua cauda (CHARVET et al., 2002).

Em 1998, foi estabelecida a primeira portaria federal (Portaria IBAMA Nº 022/98 de 25 de junho de 1998), e subseqüentemente duas novas legislações regulamentaram a exploração comercial deste recurso biológico. Adotou-se um sistema de cota/espécie, que requer um plano de monitoramento das populações naturais; entretanto, pelo tamanho da bacia Amazônica e o número reduzido de especialistas, as informações sobre a biologia do grupo são muito limitadas. As autorizações são renovadas após consulta pública com todos os setores envolvidos. Dispondo do principio da parcimônia adverti a importância que exista também um controle sobre a exportação de espécies que não estão incluídas nos instrumentos legais (DUNCAN, 2005).

Nos ecossistemas aquáticos brasileiros a poluição, assoreamento, construção de barragens, pesca e introdução de espécies, estão entre as principais causas da redução da biodiversidade. Para desacelerar a perda da biodiversidade, e necessário um aumento dos conhecimentos nessa área para que seja possível o desenvolvimento de programas de conservação, pois sem que haja o mínimo de conhecimento sobre um organismo fica impossível preservá-lo. (AGOSTINHO et al, 2005)

 

CONCLUSÃO

 

Concluindo, observa-se a falta de recursos literários técnico/científicos voltados à biologia das espécies do táxon analisado. A conservação das raias dulcícolas requer um maior conhecimento sobre sua biologia e ecologia, sendo necessário à compreensão e identificação de seus diversificados habitats em diferentes fases da vida.

Dificuldades na diferenciação das espécies são relacionadas à semelhança morfológica, e o fato das mesmas apresentarem alto grau de policromatismo. Estes importunos acabam a atrasar a validação das espécies, e dificulta os esforços destinados a preservação das espécies.

 

REFERÊNCIAS

 

AGOSTINHO, A. A; THOMAZ, S. M; GOMES, L. C. Conservação da biodiversidade em águas continentais do Brasil. MEGADIVERSIDADE: Volume 1, Nº 1, 2005.

 

ARAÚJO, M. L. G. Biologia Reprodutiva e Pesca de Potamotrygon sp. C (Chondrichthyes - Potamotrygonidae), no Médio Rio Negro, Amazonas. Masters Dissertation. Manaus, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia & Universidade do Amazonas. 1998. 171 p.

 

ARAÚJO, M.L.G.; CHARVET-ALMEIDA, P.; ALMEIDA, M.P.; PEREIRA, H. 2004. Freshwater stingrays (Potamotrygonidae): status, conservation and management challenges.


CARVALHO, M. R. de ; PEREZ, M. S. ; LOVEJOY, Nathan R . Potamotrygon tigrina, a new species of freshwater stingray from the upper Amazon basin, closely related to Potamotrygon schroederi Fernandez-Yépez, 1958 (Chondrichthyes: Potamotrygonidae). Zootaxa (Online), v. 2827, p. 1-30, 2011.

 

CARVALHO, M. R.; RAGNO, M. P. An unusual, dwarf new species of Neotropical freshwater stingray, Plesiotrygon nana sp. nov., from the upper and mid Amazon basin: the second species of Plesiotrygon (Chondrichthyes: Potamotrygonidae). Papeis Avulsos de Zoologia, Volume 51(7):101-138, 2011.

 

CHARVET, P.; ARAÚJO, M. L. G.; ROSA, R. S.; RINCÓN, G. Neotropical Freshwater Stingrays: diversity and conservation status. Shark News, Inglaterra, v. 14, n. p. 1-2, 2002.

 

COMPAGNO, L. J. V.; S. F. COOK. The exploitation and conservation of freshwater elasmobranchs: status of taxa and prospects for the future. In: The Biology of Freshwater Elasmobranchs. Oetinger, M. I. & Zorzi, G. D. (eds.). Journal of Aquariculture & Aquatic Sciences, 62-90. 1995

 

DUNCAN, W. T.; INOMATA, S. O.; FERNANDES, M. N. Comércio de raias de água doce na região do médio rio negro, estado do Amazonas, Brasil. Rev. Bras. Eng. Pesca 5(2): XIII-XXII, 2010.

 

DUNCAN, W.P. Os conflitos da pesca e a pesquisa com as arraias de água doce na Amazônia. Jornal do Biólogo 4ª Região, 39: 6-7. 2005

 

GARRONE NETO, D. E HADDAD JUNIOR, V. Arraias em rios da região Sudeste do Brasil: locais de ocorrência e impactos sobre a população.  Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 43(1):82-88, jan-fev, 2010.

 

IBAMA. 2002. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Portaria N°. 036/2003, de 25 de junho de 2003.

 

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 1998. Portaria N°. 22/98

 

IUCN Red List of Threatened AnimaIs. Gland,  Switzerland and  Cambridge,  U.K,  lnternational  Union  for  Conservation  of Nature  and Natural Resources, 154 p., 1988. Disponível em: <> acessado em: 13/08/2011.

REIS, R. E.; KULLANDER, S. O.; FERRARIS Jr, C. J. Check list of the freshwater fishes of South and Central America. Porto Alegre, EDIPUCRS, 742 p., 2003.

 

ROSA, R. S. 1985. A Systematic Revision of the South American Freshwater Stingrays (Chondrichthyes: Potamotrygonidae). Doctorate Thesis, Williamsburg, College of William and Mary. 523 p.